quarta-feira, 29 de abril de 2015

Por que aprender dói?



Hoje cheguei a conclusão, depois de resistir a isso, que aprender dói. E não estou falando apenas do aprendizado escolar, mas neste que me detenho. Durante a graduação uma professora sempre dizia que estudar “dói a cabeça e a bunda”. A cabeça dói porque precisamos pensar e a bunda, porque precisamos parar para estudar, ler, escrever. É possível aprender muitas coisas caminhando por ai, mas ninguém aprende uma fórmula, por exemplo, participando de uma maratona ou atravessando um rio a nado.

Percebi que aprender dói não só a cabeça e a bunda, mas o coração também. Sem romantismo, mas ainda há crianças que choram ou pelo menos sentem aquele aperto no peito e o nó na garganta na hora da despedida dos familiares. Os pais também sentem, é um cordão umbilical cortado por dia.  

Ilustração do livro: Quando a escola é de vidro - Ruth Rocha
Outro fator que me fez pensar, foi a quantidade de vezes, e são muitas, que eu os mando sentar. Diversas vezes, após terminarem alguma atividade, algumas crianças vão ao final da sala para brincar de pular corda invisível. Eu sei que são crianças e o corpo pede movimento, mas o ambiente pede tranqüilidade. Não sei em que medida essa contenção que pratico é benéfica ou não. Mas dói, dói neles por quererem se movimentar e dói em mim que sei o processo que estão vivendo, no entanto, há muito mais coisas envolvidas que impedem que rompamos com a escola de vidro, tal como escreveu Ruth Rocha.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

A FAMÍLIA

23/04/2015

O tema da aula de hoje foi “FAMÍLIA”, o objetivo central era apresentar às crianças o conceito de família estacando-se que não existe uma configuração familiar única.  Li para a turma o livro (achei on line) “O Grande e Maravilhoso livro das Famílias” de Mary Hoffman e Ros Asquith. O livro é muito bom, pois trata tanto da configuração familiar quanto de tipos de moradias, alimentação, roupa, escola, lazer... Até aí tudo bem, as crianças contaram como são suas famílias, o que comem, vestem, onde moram...

Em seguida entreguei uma folha com um texto e uma proposição que consistia em colorir apenas os tipos de família que existem.

No texto, dentre outras coisas, dizia que algumas crianças viviam com dois pais ou duas mães. Houve crianças que manifestaram-se dizendo que também tinham 2 pais, e uma tinha 3. Mas estavam se referindo aos padrastos. Aceitei a resposta, mas disse que uma criança pode ter dois pais quando um casal de namorados homens a adotam. Começaram a rir, mas um riso diferente, formado nos cochichos ao pé do ouvido do colega. Como assim homem namorando com homem? Não entrei nessa discussão, mas disse que existia.

Gustavo * (6 anos) disse que não existia casal de homem adotando crianças porque ele nunca tinha visto.  Perguntei: Você já viu um pingüim? Ele disse que não. Mas você acha que pingüim existe? Respondeu com a cabeça que sim. Então, não é porque você nunca viu que não exista, quem sabe um dia você verá.

Concluída a discussão do texto, fomos a proposição: Colorir as imagens que representassem tipos de família que EXISTEM.

A primeira imagem foi a unânime, todos concordaram que aquela imagem representava uma família. A segunda imagem gerou embaraço. Embora esteja evidente que são dois homens com duas crianças – seus filhos- as crianças ficaram receosas em descrever a imagem (pedi que algumas crianças descrevessem as imagens). Embora já tivesse explicado que existe casal de homem, as crianças insistiram em criar outras hipóteses: é o avô e o pai, o pai e o tio... A terceira imagem, da mãe solteira, que achei que seria a mais tranqüila, novamente motivou a manifestação das crianças. Nicole * (6 anos) demonstrando entender alguma coisa de biologia esbravejou: Não pode, a mulher precisa de um “macho” para ter filhos. A resposta da salvação veio de Marina* (6 anos) que contou que morava sozinha com a mãe. Pronto, aceitaram o exemplo.

Já a imagem do pai solteiro não teve jeito, para as crianças é impossível um pai criar um filho sozinho, mesmo o chato do professor dizendo que existe sim. E para confrontar levantavam mais hipóteses: é o avô cuidando, é um tio...

A última imagem ou foi compreendido que é possível sim uma família com duas mães ou dois pais  ou esgotaram-se os argumentos desses “pequenos conservadores”, que no que depender desse professor: Não passarão! 

domingo, 19 de abril de 2015

A AULA DE MATEMÁTICA

17/04/2015

Ontem(16/04) foi a primeira vez que falei a frase: “Hoje vamos estudar matemática”, embora a matemática já estivesse presente. Impressionante como as crianças já trazem os pré-conceitos sobre a matemática.

Destaco Livia* (6anos): Matemática? Ai meu coração!

Gustavo* (6 anos): Professor, eu já estudo matemática com a minha irmã.

Houve também quem comemorasse por estudar matemática...

Estudamos a ordem crescente e decrescente dos números naturais. Ao pedir para ir ao quadro escrever as respostas alguns ficaram tímidos (mesmo não sendo), outros encorajados e queriam fazer além do pedido.

Hoje conversei com uma mãe que narrou o que o filho contou em casa:

- Mãe, hoje a gente estudou matemática. Me deu um calor, tive que tirar o casaco. Quando o professor perguntou quem queria ir ao quadro disse pra mim mesmo: eu que não vou.

Mas foi, chamei o Nicolas* (6 anos) para ir ao quadro, ele acertou tudo e disse: tu vai escrever o numero 10 na folha? Eu disse que não, que ainda estávamos aprendendo, mas que ele estava de parabéns. Quase implorando ele disse: escreve, senão minha mãe não vai acreditar que eu tirei 10.

*Nomes fictícios

O APAGADOR DE GIZES

 17/04/2015

Hoje  fizemos  cartões  de  aniversário para professora de artes. Distribui as folhas coloridas e disse que poderiam usar os lápis de cor, canetinhas e giz de cêra.

Francisco*(6 anos) escreveu “parabéns” com giz de cera e quis apagar com borracha, mas não conseguiu. Então me pediu o apagador de lousa emprestado, não entendi, mas dei e fiquei observando ele esfregar o apagador. Perguntei porquê daquilo e ele disse:

_ Na creche a professora escrevia com giz no quadro (não era de cêra, claro) e depois apagava, mas agora não está apagando.

Achei fantástico ele buscar na memória mais distante (faz alguns meses que não frequentam mais a creche) uma solução para seu problema e também sua capacidade de generalização: o apagador apaga giz.

* Nome fictício

O PRIMEIRO DIA DE AULA

11/04/2015.

Hoje foi o primeiro dia de trabalho com as crianças do primeiro ano. 13h no pátio com seus familiares, segurando a mochilinha com seus cadernos, lápis de cor, borracha, lápis e tudo mais que um novo estudante tem direito. E principalmente um olhar curioso a tudo que cerca. Adolescentes desfilando para cima e para baixo contando as aventuras das férias, as crianças do segundo ano em diante matando a saudade dos colegas do ano anterior. Os pais ansiosos pelo primeiro dia de aula do filhx, querendo saber como será, o que precisa trazer de material e como será a nova professorA. Eis a surpresa: -- Um PROFESSOR para o primeiro ano? -- Tu que vais alfabetizar essas crianças? Pergunta a mãe cética. -- Sim, ficarei com eles até o final do ano. Mas o espanto continuou no semblante daquela mãe. 

Na sala, os olhos arregalados, corpos perdidos no espaço. Agora, cada um tem um lugar na sala. -- Pode sentar, essa carteira é sua! Me apresentei, distribui os crachás com os nomes e sentamos no chão para fazermos os combinados e ler a primeira história “A Chapeuzinho Amarelo”, a menina que tinha medo de tudo, mas quando descobriu que tudo não passava de fantasias entregou-se nas aventuras da vida. Hoje as crianças eram como Chapeuzinho Amarelo, e o lobo imaginário que causa medo era a escola, o professor, os colegas...

Aos poucos os dedos iam se levantando, os combinados sendo feitos, as opiniões sendo dadas e os conhecimentos prévios borbulhando, afinal todos sabemos alguma coisa, ninguém chega em branco no primeiro dia de aula do primeiro ano. Tudo precisa ser ensinado. – Tio, eu conheço essa história. – Tio não, eu sou professor!

-- Agora vou fazer a chamada. Vocês sabem o que é uma chamada? – Nãooo!! Expliquei que quem esta na sala diz: Presente! E quem faltou a turma avisa. Dos 25 só uns 5 disseram presente, os outros ou só levantavam o dedo ou sem saber o que fazer quando seu nome era chamado ficavam olhando com os olhos arregalados. A vontade de usar o caderno novo era enorme, queriam copiar alguma coisa do quadro. – Posso copiar as letras ali de cima? Aponta a menina para o alfabeto sobre a lousa.
Passeamos pela escola, conhecemos a sala informatizada, os banheiros, a biblioteca, o pátio, a sala da diretora, o refeitório... voltamos para sala, aula de inglês. 15h recreio, no refeitório uma menina com a boca cheia de bolacha pergunta: -- oh “pofessor” hoje vai ter deveres?

Aos poucos os pais iam chegando e levando as crianças. Nessa semana as aulas irão até as 15h, pois estamos em período de adaptação. Mas o primeiro medo de nossos chapeuzinhos amarelos foi superado. Todas as 25 crianças aguentaram bravamente o primeiro dia de aula. Nenhuma lágrima, mas muitos nós na garganta.

Para minha surpresa, um dos meninos mora na mesma rua que eu. Quando cheguei em casa ele saiu gritando – Vó vem ver meu professor!! Logo a rua inteira estava na janela.

sábado, 18 de abril de 2015

Narrativas de um alfabetizador: histórias, causos, situações...

Esta página, batizada "Narrativas de um alfabetizador", nasce sobre a necessidade de expressar histórias, causos, lamentações de uma turma em alfabetização.

Todos temos algo a dizer, algo que desejamos dividir com os outros, uma novidade, uma vontade, um sonho ou até uma realização.

Criei essa página para compartilhar com amigos histórias, causos, situações da minha realização como professor, como ser humano ensinante e em igual medida aprendente.

Não quero aqui expor as crianças, a escola, os profissionais que dela fazem parte, mas externar apenas a minha experiência na condição de professor alfabetizador.

Sejam bem vindos, fiquem a vontade...

Ismael Andrada Bernardes